quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Vazio

Quando acordei ainda havia vestígios das lágrimas derramadas na noite anterior. Duas rolaram pelas maçãs do meu rosto enquanto pisquei tentando despertar. Levantei-me de má vontade enquanto enxugava meus olhos apressadamente, não queria topar com um de meus fantasmas no corredor com a prova da tristeza brilhando bem na minha cara. Por sorte, o corredor estava vazio. Vai ver todas as lembranças resolveram ficar nos pesadelos daquela noite mal dormida. Maldita noite.
Arrastei-me até o banheiro preparando meu psicológico para enfrentar uma das maiores dificuldades do dia-a-dia. Vi-me refletida diante dela.
Maldito espelho.
Encarei-me por alguns segundos, notando as rodelas roxas e inchadas que se formaram acima de minhas bochechas até finalmente o despertador lembrar-me que deveria estar me apressando. Voltei ao quarto e dei-lhe um belo tapa. "Hoje é sábado, seu idiota". Ainda assim admitia que era eu quem havia esquecido de desligá-lo.
Maldita memória.
Desci as escadas, passei pela sala sombria e finalmente estava na cozinha. O cheiro de café sendo coado não estava lá, eu teria de fazê-lo sozinha.
Após ter tomado três xícaras daquele liquido preto, amargo e ruim e ter comido um pão velho com nada dentro, engoli os remédios que prometiam me manter normal por quanto tempo durassem os efeitos. Sinceramente não acredito que os efeitos ainda durem. Pouco importa, eu não queria mesmo ficar normal.
Malditos remédios.
Com o estômago cheio, eu não tinha mais o que fazer. Na sexta-feira já havia arrumado aquela casa por completo, não queria me tornar maníaca por limpeza, afastaria ainda mais os amigos que já não tenho. Eu precisava arranjar ocupação antes que minha mente vazia começasse a vagar por lugares doloridos demais, eu não queria recordar. Era difícil, especialmente nos fins de semana.
Malditos fins de semana.
Resolvi sair de casa, minha pele há tempos sentia falta do calor do sol. Talvez ela merecesse esse prêmio por não ter mofado ainda. Larguei a xícara de café e a mesa suja de pão, assim teria o que fazer quando voltasse. Escolhi uma roupa qualquer e me perguntei se estava bom daquele jeito. Apenas uma das vozes da minha cabeça aprovou, e era aquela mesma que me importava. De qualquer forma, as outras desaprovariam seja lá o que eu fizesse.
Malditas vozes. (Menos a que aprovou, bendita essa...bendita!)
Lancei-me do portão da minha casa afora. Confesso, me surpreendi quando notei que o mundo não havia parado conforme minha vida. Pessoas ainda andavam freneticamente pra lá e pra cá. Carros buzinavam. Alguns pássaros arriscavam sobrevoar o trânsito enquanto outros preferiam a traquilidade de uma ou outra àrvore que estava na rua. Tive vontade de voltar ao meu cantinho escuro e isolado, humilhada pelo mundo que fazia questão de deixar bem claro o quanto eu era insignificante ali. No entanto, eu não podia fazer aquilo. Estava decidida a não ficar em casa remoendo minhas mágoas.
Malditas mágoas.
Caminhei pela calçada até achar o parque. As lágrimas voltaram aos meus olhos. Consegui contê-las. Um avanço! Passei a andar em um caminho de pedra no meio de algumas àrvores centenárias, estava entorpecida e disposta a permanecer assim. Não sentia mais tanta tristeza, nem alegria também. Mas em compensação não doía, e isso era o que importava. De repente eu vi você de longe correndo na minha direção, o torpor cessou, só que não me importei. Não até perceber que não era você quem vinha. Balancei a cabeça e continuei a caminhar. Cheguei a uma rua do outro lado do parque, cheia de gente. Resolvi me misturar na multidão, e foi nela que vi seus olhos em um homem, seus cabelos em outro, o sorriso parecido em uma criança. Meu psiquiatra não ia gostar de saber disso.
Maldito psiquiatra.
Mas quem disse que ele tinha que saber? Fui juntando os pedaços de você espalhados em outros corpos, e pouco a pouco minha mente foi se deixando enganar, permitindo que eu sentisse você vivo ali, perto de mim, sorrindo pra mim, olhando pra mim, cuidando de mim como você sempre fazia. E eu sabia que o cheiro de café na cozinha nunca mais ia voltar, porque você não estaria lá para fazê-lo. Eu sabia que a voz dizendo que aquela roupa era perfeita para mim jamais seria literalmente ouvida, porque você já não estaria mais lá para falar. E eu sabia que não deixaria a casa desorganizada, porque você não estaria lá para me arrancar da limpeza e me levar ao cinema, ou a um almoço para nós dois enquanto a sala estava uma bagunça. Você nunca mais voltaria, talvez eu nunca mais o veja. No entanto eu ainda precisava sentir você aqui comigo, pois só isso me ajudaria a sobreviver outro fim de semana sozinha e o resto dos meus dias massantes. Eu ainda preciso de você.
Maldito luto.

3 comentários:

Unknown disse...

Pronfundo, triste, tocante, e ao mesmo tempo distante, é notavel que tem sentimeto, não sei se seus, se passados, ou apenas sentimentos ao vento, amei o texto e estou muito muito curioso quanto a isso
Bem, e reafirmo aqui, vc tem talento pra escrever
Se cuide momy, e se fosse pra da ruma nota vc tiraria 8 n.n
cuide-se ti lovu

Kátia Cajá disse...

Poxa Aline, eu espero que esse texto não esteja falando d como os seus sentimentos realmente estão, pq está mto triste =/ Definitivamente é bonito e bem escrito, eu já escrevi algumas coisas nesse estilo tempos atrás e é sempre bom pra desabafar, e transformar as tristezas em algo produtivo.
Quem nunca passou por um daqueles dias em q a gente tem vontade de amaldiçoar tudo e luta para as lágrimas não virem à tona?
É um daqueles textos q comovem todos que lêem pq tratam de temas universais. Eu adorei! ^^
Se quiser falar alguma coisa a respeito do q eu escrevi tbm, eu agradeço ^^
Eu sinceramente desejo que você fique bem
beijos

Kátia Cajá disse...

Olá Aline! Obrigada pelo comentário. Estou demorando para postar, apesar das férias. Passei mto tempo refletindo sobre c/ escrever o meu último post. Tanto tempo, que ele até ficou defasado XD~ Mas eu finalmente poste de novo (\o/) e estou aqui para retribuir o seu comentário ^^
Eu também olho, pasma, para as barbaridades que estão acontecendo no Oriente Médio, e cara... é Israel atacando a Palestina, é Estados Unidos que não quer sair do Iraque... isso sem falar na invasão ao Afeganistão que já tem uns 8 anos e não deu em absolutamente nada, só ferrou com a vida (que já estava mais que dura) dos afegãos e não resolveu bosta nenhuma. Os países islâmicos já têm problemas internos o bastante para outros países ainda piorarem e invadirem ¬¬'
Para quem está na situação, eu nem posso imaginar o desespero, o horror, o pânico... não consigo me imaginar no lugar dos palestinos. Não consigo, é sério.
Só sentindo na pele o exílio, a perda de pessoas queridas, a incerteza (será que amanhã eu vou acordar vivo? E os meus filhos? E o meu marido? ...), as perdas materiais irrecuperáveis, e por vezes, até a fome e a falta de remédios.
Deve ser impossível manter a cabeça fria para tentar uma negociação quando matam os seus filhos, os seus amigos... te expulsam das suas terras, te impedem de levar uma vida normal de mil formas (trânsito regulado, proibição da agricultura, de certos tipos de comércio, imprensa censurada, conversas telefônicas e comunicação monitoradas...).
Enfim, é um pesadelo e realmente, a negociação pacífica me parece a única saída, olhando objetivamente a situação, mas é utopia achar que algum palestino vai querer isso, porque NÃO DÁ pra olhar objetivamente com tanto ódio, rancor, medo, traumas, etc.
Ou seja: mais ódio, mais medo, mais rancor e mais mortes. ¬¬'
Mas eu estou aprendendo a não deixar isso afetar o meu humor. Claro que se eu puder ajudar eu ajudo! Mas preciso aproveitar melhor a paz à minha volta (que isso me ensinou a valorizar), e se eu ficar com a cabeça na guerra dos outros isso não vai acontecer. Há muita injustiça no mundo, mas há também coisas belas, que Deus me deu a oportunidade de aproveitar. =) Como essa briga não é minha, eu tento conscientizar as pessoas, mas vou cuidar mais de mim tbm ^^
bjos