domingo, 27 de setembro de 2009

Liberdade e Primavera

Abri as mãos e, incrivelmente, as borboletas voaram. Não por dor, lágrimas irrigaram meu rosto até despencarem ao chão, no qual flores nasceram. Ensurdeci para tudo aquilo que não fosse o ruflar daqueles insetos alados, o cantar do vento entre as folhas, ou a terra remexida pelo riacho. Ceguei para tudo aquilo que não fosse cor de frutas maduras, pássaros indo ao encontro do sol, ondas apaixonadas pela areia. Perdi o olfato para tudo o que não fosse brisa úmida e salgada, terra molhada, cabelos ao ar. Deixei de degustar tudo o que não fosse corpo, que não viesse d'alma, que não fizesse amor com meu paladar. E não mais toco nada que não seja pele quente, sorriso ardente, que não me envolva plenamente em um manto sagrado e, tão controversamente, carnal. Quando abri minhas mãos, libertei-te de mim. Libertei-me de ti. E tive a doce surpresa ao descobrir que estavamos ligados por um elo que jamais sequer poderiamos explicar. Não adianta desejar que outros ouçam, vejam, cheirem, degustem ou toquem o que pertence apenas a nós dois. Jamais saberão que o que falo de fato existiu. Mas eu simplesmente sei. Simplesmente sinto. Ao impulsionar teu voo, dei-me o maior presente que poderia ter. A certeza que pertencemos um ao outro e que isso independe de nós. Por hoje, não me importa quem dorme ao teu lado. Por hoje, sinto que posso ser de quem eu quiser. Porque, ainda que só por hoje, sei que estamos apenas migrando rumo ao destino. E meu destino és tu. Não preciso ter certezas, não preciso de racionalidade, não preciso equacionar o amor. Ele existe. Nós existimos. O amanhã é o infinito a ser desvendado. E entrego-me às minhas aventuras orando para que novamente, em um futuro doce, voltemos a nos cruzar. Tempo ao tempo. Pois tudo há de acontecer como deve ser. E, finalmente, mesmo que apenas por hoje, estou certa de que nossas almas se completaram no dia exato enquanto nossos corpos um dia hão de se completar. Deus jamais permitirá que eu me perca de ti.
Descobri na liberdade, meu amor, que ainda te espero em cada noite de luar. Amar, amar, amar. Eu não preciso que outros aprovem ou deixem de aprovar. Mesmo quando te encontras com outras, por tolice, talvez até ingenuidade, eu sei, meu bem, que ainda estamos a nos procurar. O destino há de nos trazer aos braços um do outro, mais uma vez. Desta vez, para sempre.
Te amo. E creio que jamais deixarei de te amar.

domingo, 20 de setembro de 2009

vidro.

-Enche o copo, velho!
Eu disse, já meio zonza, sentindo o sangue vibrar enérgico, inundando minhas veias com algo que imaginei parecer a sensação de estar viva.
-Enche logo essa porra de copo, velho!
Confesso, o gosto enjoativo daquele vinho ruim era quase intragável...quase. Ainda assim ele escorria garganta abaixo. Acendia brasas em meu estômago.
-Outro?
O velho olhou-me desconfiado. Adivinhei seus pensamentos e imediatamente despejei algumas moedas no balcão.
-É, outro.
Ele recolheu os metais circulares, tão valiosos neste mundo, e logo em seguida o som do àlcool chocando-se no fundo do copo inundou meus ouvidos. Aos poucos me afastava das conversas de bar, dos flertes de boteco, daquelas luzes baixas deprimentes. Aos poucos não ligava mais para as mesas e cadeiras de plástico decoradas com logotipos de cerveja, nem prestava atenção na falta de higiene daquela louça toda empilhada em uma pia semi-a-mostra logo atrás do balcão. O relógio e os nomes das bebidas socadas em uma prateleira curta na parede tornaram-se ilegíveis.

E eu tragava o intragável, como sempre na vida!

Tragava o intragável.